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O homem mais sexy do mundo segundo a Revista People.

13 fevereiro 2006

Fecha os olhos e escuta

Ele amava a vida. Caminhava sorrindo, brilhando. Voltava para casa, pela rua, num dia ensolarado. Só havia deixado uma caixa de roupas velhas na casa da mãe para ela doar e já voltava para casa. A pé mesmo. Quando casou, escolheu morar com a esposa num lugar perto dos pais. Por praticidade, talvez um pouco de dependência. Mas realmente morar tão perto da mãe o ajudava em muito. Com a roupa suja, pra passar, com o empréstimo da empregada da mãe, com almoços e jantares em dias de cansaço e preguiça do casal.
Sua vida era boa e agora ele voltava para casa pensando nisso. Pensando em como dizer à mulher como achava a vida boa. Passou por alguns músicos de rua. Tocavam alguma música clássica, erudita. Incomum de se ouvir na rua e muito agradável. Até o inesperado era agradável em sua vida. Viu uma barraca de flores e achou sua maneira de dizer à esposa como a vida era boa. Escolheu alguns cravos, sua flor preferida. Escolheu alguns brancos, a cor preferida de sua esposa. Montou um simples e lindo bouquet e ganhou mais um cravo branco de brinde. Continua sua volta para casa feliz da vida. Com o bouquet carinhosamente ajeitado em uma mão e o cravo solto despretensiosamente alegre na outra.
Chegou à porta de casa. Um quarto de pensão, com bom aluguel e bons vizinhos. Lugar antigo e charmoso. Com problemas no encanamento, na luz, no forro, mas tudo ideal para os recém-casados. Subia os três lances de escada como de costume. Pensando em sua esposa como de costume. Feliz que poderia gratificar a esposa com seu singelo presente. Feliz por ter algo em troca a dar pelo saboroso almoço que ela estava fazendo num Sábado de sol. Feliz porque ganhara um lindo cravo branco de brinde da moça das flores e já imaginava-se colocando ele adornando o cabelo de sua mulher. Tão feliz que nem sentiu o cheiro de gás que já vazava pela soleira da porta e assim não presentiu quando uma enorme explosão lançou a porta de sua casa longe.
Ele viu um clarão, em seguida veio um barulho incrível, um calor forte. Então ele não viu mais nada, não ouviu mais nada e acordou horas depois. Numa cama de hospital.
Abriu os olhos, percebeu que estava deitado, num ambiente estranho. Em pé, um de cada lado, estava um homem de branco, um médico e uma moça jovem, sua irmã. Eles estavam sérios, sua irmã não era do tipo sério. Eles conversavam, sem perceber sua consciência. Ele ficou atento à conversa. Então ambos perceberam que havia acordado. Pararam de conversar. Estranho, ele não havia escutado nada do que conversaram. Não conseguia ouvir nada, por sinal. Não importava agora, estava muito cansado para escutar qualquer coisa. Voltou a dormir.
Demorou algum tempo até entender o que queriam lhe dizer. Só quando sua mãe escreveu num papel que a explosão havia perfurado seus dois tímpanos ele entendeu. Demorou alguns dias até se dar conta o que era ter ficado surdo. Havia mais más notícias nos bilhetes que sua mãe escrevera a ele. Assim, na verdade nem pensava que agora era surdo. Não ligava, não percebia, não se importava. Na verdade ele nem considerava isso como um fato. Era como se ele simplesmente tivesse optado em não dar ouvidos a mais ninguém. Não queria, não precisava mais ouvir. Ele se bastava em seus pensamentos, lembranças. Lembranças, era tudo o que se podia considerar como seus pensamentos agora. Não havia mais idéias, não havia mais análises. Não havia mais reconhecimento, preocupação em ouvir e entender, em falar e ser entendido. Ele vivia em suas memórias. E era feliz assim agora. Mas não havia mais sorrisos em sua felicidade.
Não trabalhava mais agora, não tinha mais tarefa alguma, não tinha mais casa. Voltara à casa da mãe, ao seu quarto de adolescente. Passeava boa parte do dia, voltava para comer e dormir. Um dia deitou antes do almoço para seu único novo hábito. Retira um cravo branco de um dos vários arranjos de cravos que tem comprado regularmente, o coloca sobre o peito e fecha os olhos. E passa a ouvir a música agradável que ouviu no dia em que sua vida explodiu. Mas logo abre os olhos e adia sua rotina. Há lugares melhores para se viver. O melhor deles sim, é sua memória, mas ele ainda escolhe cuidadosamente onde repousar seu corpo enquanto vive em suas lembranças.
Desce para a cozinha para almoçar, com seus pais o observando sempre. Ele nem se preocupa mais em trocar olhares com eles. Come rápido e sai direto para a rua. Já fora de casa, retira o cravo branco do bolso e caminha até o parque, brincando despretensiosamente com uma flor não muito alegre. No parque procura um espaço aberto na grama, alheio a tudo e a todos em volta, ele se deita. É um bom lugar para seu novo hábito de viver. Coloca o cravo sobre o peito, fecha os olhos e escuta. Escuta aquela música agradável. Lembra do dia ensolarado, da felicidade de voltar para casa, com um sorriso no rosto. De entrar na pensão, de subir as escadas. Lembra quando saiu de casa aquele dia. A mulher separando as roupas para ele levar à casa da mãe e indo preparar o almoço. Preparando alguma coisa no fogão, desligando o fogo enquanto dizia algo sobre esperar ele chegar para não esfriar a comida. Ele abre os olhos, não ouve mais a música, faz uma pausa em sua nova vida que escolheu. Há outro lugar em que ele precisa viver agora.
Caminha sério e triste, nessa entrevida que é esse tempo que ele passa de olhos abertos sem escutar nada. Apenas caminhando de um lado ao outro, comendo, fazendo coisas necessárias à sua sobrevivência, mas dispensáveis em sua vivência. Chega ao próximo lugar que escolheu para viver. Deita, deixa o cravo branco de lado, fecha os olhos e escuta. Escuta a música agradável e lembra como gostavam de sua nova casa. Tudo era bonito e antigo, tudo era charme, não havia problemas. Até o mal cuidado fogão e a mangueira velha do butijão de gás. Nunca passara pela cabeça deles que algo de ruim poderia acontecer a eles naquela casa. A esposa já havia cozinhado tantas vezes naquele fogão. De vez em quando esquecia o gás aberto, mas pouca coisa. Talvez por isso nem ligara quando sentiu o cheiro de gás na cozinha. E, despreocupadamente, acendeu o fósforo como sempre. Mas dessa vez não era uma boca do fogão que estava vazando, era o gás vindo da mangueira que enchia a cozinha pequena e fechada. Aquilo matou sua esposa, mas também a ele. Ele deixou de viver no mundo e passou a viver em sua memória.
Estava deitado sobre o túmulo de sua esposa e naquele momento percebeu que achara seu lugar no mundo. Era ali que deveria deixar seu corpo para viver. Não precisaria mais andar, voltar para casa para comer ou dormir, não teria mais nenhum desses intervalos em sua vida. Ouviria para sempre aquela música agradável, viveria para sempre a sua felicidade sem sorrisos. Estava bem ali. Vivia agora no mesmo lugar que sua esposa, no mundo e nas lembranças. Para sempre. Era isso o que queria quando se casou. Era feliz agora, apenas não sorria mais.
Pronto, escrevi em forma de conto o meu curta. Agora, mesmo que ninguém filmá-lo, a história já existe.

9 Comments:

Anonymous Anônimo said...

se ainda precisar de uma atriz para o seu curta... :)

14 fevereiro, 2006 14:34  
Anonymous Anônimo said...

ah, prefiro o post anterior.
;)
essa história ainda me dá arrepios.
e ainda está muito boa!
bjos

17 fevereiro, 2006 20:24  
Anonymous Anônimo said...

ops, o anônimo sou eu.

17 fevereiro, 2006 20:24  
Anonymous Anônimo said...

ai, tecnologia. estou ficando velha.

17 fevereiro, 2006 20:25  
Anonymous Anônimo said...

Muito bom Sr.Soneca, confesso que fiquei emocionado.A primeira parte de seu curta lembrou-me de meu difícil começo com a Cris, a minha Cris.

PS.Putz, a parte da explosão é de tirar o fôlego...

Abração

Álvaro

14 março, 2006 23:43  
Anonymous Anônimo said...

Aeeeee! Bem melhor assim. Gostei. To com saudades de vc!

18 abril, 2006 17:38  
Blogger Lubi said...

Escolhi esse texto como em "unidunitê".

Ficou um aperto no peito, porque mesmo sem haver explosões em nossas vidas, ás vezes, escolhemos viver em determinada época. Escolhemos conscientemente nos trancarmos no passado, com os olhos cerrados. E o presente rodando em nossa frente.

Texto forte.

Bom final de semana.
Beijos.

08 julho, 2006 14:01  
Blogger Unknown said...

Mesmo vc já tendo me alertado fiquei curiosa!
Apesar de tudo gostei muito de ter lido! ;)


Mas, pronto! Esse foi o ultimo!
Se não vicio! hahaha


Um beijo e um queijo!

23 maio, 2008 19:46  
Anonymous Anônimo said...

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