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O homem mais sexy do mundo segundo a Revista People.

23 novembro 2005

Dezesseis pores-do-sol por dia

Ele vivia sozinho numa estação espacial. Era um tipo centrado, inteligente, dedicado. Levara muito tempo se preparando para virar astronauta. Vinha se destacando nos meios acadêmicos desde o colégio. Na faculdade de Física voltou a ter essa idéia infantil de ser astronauta, mas agora muito mais forte, talvez por ser mais plausível, possível. Entrou rapidamente na Agência Espacial, quase imediatamente já fazia parte dos candidatos para astronauta. Em poucos anos foi escolhido para passar oito meses na Estação Espacial. Seu sonho era agora realidade e sua realidade era a solidão.
Estava agora nos últimos três meses da missão, os quais deveria passar sozinho, esperando os próximos tripulantes o substituírem. Sempre foi um menino sonhador, sempre foi um garoto romântico. Contava sua idade pela sucessão de paixões platônicas, que por sua vez tinham sua duração medida em pores-do-sol. A cada dois ou três anos costumava ter uma. A cada 730 ou 1095 pores-do-sol costumava ter uma. Teve um primeiro beijo cedo, de curiosidade e que nem contava. Para ele, seu primeiro beijo fora apenas aos vinte anos quando beijou sua primeira paixão correspondida, logo, seu primeiro amor. O amor eventualmente se foi e com ele o romantismo.
Mas isso ainda não nos importa, quero dizer mais sobre seu romantismo. Desde menino, tinha esse incomum, porém sublime hábito de ver o pôr-do-sol todo dia. O pôr-do-sol o acompanhou por todas suas idades, enquanto romântico. Quando bem pequeno, via o sol se pôr e não pensava em nada, apenas deslumbrava, boquiaberto. Um pouco maior, via o sol se pôr e pensava como era boa a vida, suado e sujo de barro, sentado na grama, esperando a janta da mãe. A partir da puberdade, cada pôr-do-sol pertencia a uma menina. Por meses pertencia a uma só menina, alguma do colégio ou da rua, por dias pertencia a alguma atriz do cinema ou da televisão e por muitas vezes a uma menina diferente a cada dia. Encontrou sua última dona aos vinte anos e permaneceu assim todo santo dia até o maldito dia em que seu amor eventualmente se foi. Mas então ele não era mais romântico, nem pensava mais no pôr-do-sol e tampouco lhe atribuía donas, pensamentos ou mesmo sentimentos. Era o prático e decidido astronauta a realizar seu sonho de efetivamente ir ao espaço. Contava o tempo por dias. Passava os dias pensando em suas responsabilidades, seus conhecimentos, seus planos, suas conquistas. E enquanto isso via o sol se pôr dezesseis vezes por dia.
Dezesseis pores-do-sol por dia, isso. Pela órbita da estação e sua relação com a translação da Terra, ele via o sol se pôr dezesseis vezes por dia. E não reparava em nenhuma delas. Reparou no primeiro dia, mas quando explicaram para ele porque acontecia, passou a ser mera curiosidade científica a contar em alguma entrevista de volta a Terra. Naqueles seis meses no espaço, passaram-se mais de oito anos de sua infância e juventude. E ele nem percebeu. Mas tanto tempo sozinho e acabam-se as metas, objetivos, sonhos a se planejar. Percebeu, primeiro, que já tinha pensado e repensado todos os seus passos futuros. E então finalmente reparou, passou tanto tempo mirando tão longe (e de maneira especialmente eficiente) que não olhava mais para si mesmo, não mirava mais para dentro de si. Havia planejado sua vida inteira, mas não conhecia mais o cara que iria de fato vivê-la. Olhou para si e até gostou do que viu. E viu o décimo quarto pôr-do-sol daquele dia.
Por pouco mais de uma hora, ficou a contemplar o homem que se tornara. Um homem bom, competente, honesto, inteligente. Não chegou a ficar feliz com o que vira, não chegou a ficar triste com o que vira, mas sabia que estava um pouco oco. Um homem oco é o que se tornara. E passou a reviver suas lembranças. Sua época de deslumbre, descobertas. Sua época de alegrias despreocupadas, sem o contraponto do sofrimento. Sua época de sofrimento, sem amarguras. De paixões inflamadas, carinhos sinceros, até o dia em que amou. A coincidência da primeira desilusão, com o começo de uma carreira encaminhada que o tornaram esse homem oco. A carreira agora já estava calçada em chão firme, alcançara um ponto onde não mais havia onde escorregar. Por isso percebeu que faltava agora retomar a essência que lhe faltava. Não, não pensava mais em seu primeiro amor. Pensava em seu fiel companheiro, a beleza e o calor que o preenchia e completava, que dava força e forma à sua alma. Pouco mais de uma hora passou, sonhando sonhos para sua alma. E contemplou o décimo quinto pôr-do-sol do daquele dia.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Nossa!O espaço fez coisas incríveis mesmo!É melhor que terapia ou livro de auto-ajuda afff!
Mas o "quê" de romantismo não escapa à lá Rodrigo Pontes.
Muito legal.Gostei.
O "Encontro" me pareceu mais intrigante,dá gosto de ler,adoro ler textos detalhistas que me fazem imaginar os personagens,delícia!
Beijos chatão!

26 novembro, 2005 14:10  
Anonymous Anônimo said...

Oi,achei esse blog legal,dá uma olhada.
Beijos

01 dezembro, 2005 11:53  
Anonymous Anônimo said...

impossível não ter um pouco de você... :)

13 dezembro, 2005 17:58  
Anonymous Anônimo said...

ai, Rodrigo... por incrivel que pareça nos temos muito em comum.

31 janeiro, 2006 19:20  

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